segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Conto de Natal

Lá vem ele chegando... O rei da hipocrisia.
Ah, podem me chamar de amargo, despeitado, sem sentimento, enfim... Adjetivem! Dezembro se resume em um circo no qual o espetáculo principal é a falsidade. Meu Deus, será que eu estou tão distante deste mundo que se encontra a minha volta?
Me aflinge ver todas essas luzes sendo colocadas nas varandas das casas, nas árovores, nos prédios... Começo a ver a carinha do velhinho que dá presentes, enfim... O clima está chegando. E com ele, sempre vem aquele gostinho de não sei o que que escorre pelo canto da minha boca. Participo de confraternizações, troco presentes, sorrisos, abraços, beijos, álcool... Aquelas frases tão verdadeiras como uma nota de três reais ditas a todas as pessoas ao seu redor. Até árvore de natal eu vou montar este ano.
Andei me perguntando o porquê. Será que é pra me sentir um pouco menos melancólico? Pra entrar no clima? Seguir a modinha de quase todos?
Realmente eu não sei porque farei isso este ano. Mas ela já está lá, pronta para ser montada. Esperando sua hora chegar e, com seus ramos servir de abrigo para todos aqueles enfeites que compramos ou temos guardados ano após ano. Sejam bonequinhos, papais noéis, frases, bolas grandes ou pequenas coloridas e as luzes do natal.
Com certeza eu acenderei as luzes e me pegarei várias e várias vezes admirando-as como quando fazia ainda na infância. Ficava tão ansioso para ver a "árvore" montada. Perguntava aos meus pais: Já está na hora da gente ligar? Vamos ligar já! Já está anoitecendo... E ficava ali por longos minutos observando aquele "espetáculo" imaginando mil coisas sobre papai noel...
Falando em todas essas coisas, acabei me lembrando porque voltarei a montar uma árvore e acender as luzes de natal... No fundo, no fundo, espero ter de volta a luz da minha infância para dissipar sabe-se lá o quê, que se instalou em minha vida.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

A triste pena de Calipso


(Ulisses e Calipso - Arnold Böcklin)


Corre, Calipso,
Que em tua ilha chegou outro visitante!
Mas lembra-te de tua pena que nunca mudará,
Também ele, em breve, será uma paixão distante.

Cuida, Calipso,
Dele com todo teu cuidado.
Oferece-lhe tudo, até a imortalidade.
E novamente serás passado abandonado.

Ama, Calipso.
Olha como ele é tudo que esperaste.
A resposta para teus momentos de solidão,
Tanto tempo sozinha... quanto desgaste!

Pede, Calipso.
Implora-lhe que permaneça.
Que olvide todo o resto de sua vida,
De sua família e passado se esqueça.

Deixa, Calipso...
Ele não ficará como nenhum outro ficou.
Tantos passaram e nenhum permanece,
Que ao menos diga: “Em paz me vou!”

Acena, Calipso.
Despede-te de mais um que se vai.
Abençoa-o para que em seu destino chegue,
Que ao menos ele tenha o que não tens: Paz.

Sofre, Calipso!
Senta, pena e chora...
Diferente de qualquer mortal em teus barcos,
Parece que nenhuma das três Parcas te adora.

sábado, 25 de setembro de 2010

Deus abandonado

"Hunf... Ahhh..." - Supira Deus abandonado.

sábado, 21 de agosto de 2010

O ressurgir da Fênix


(Dragão e Fênix - Jun Lin)


Tu estavas morta, não estavas?
Tinha certeza porque assim te vi!
Como podes retornar à vida?
Ai de mim, que perto te quis...

Lembro que em fogo
Te havias afogado.
E agora assim levantas,
Como despertando de sono pacato.

Fênix, sacode as penas e olha para a luz,
Tudo te saúda com um bom dia!
Canta para encher o ar de leveza,
Traze de volta toda a alegria!

As chamas que fizeram de ti cinzas
Parecem que foram apenas ilusão.
Do ovo do ninho carbonizado
Surgiu nova vida, então?

Mas surgiu realmente nova vida?
Ou será apenas repetição da anterior?
Liberdade do passado perdido
Ou manutenção no mesmo estupor?

Não sei as respostas.
Apenas te espero, nova Fênix.
Aguardo debruçado na janela
Teu vôo e canto, que de êxtase me enches.

domingo, 15 de agosto de 2010

O olhar da Medusa


Vejam.

Todos temem, alguns invejam,
Mas ninguém entende
Como pode ser doloroso
Ter os olhos da Medusa,
Desgraçada vidente.

A dor de não pode olhar
Nunca o ser amado,
Desviar sempre dele seus olhos
Sob pena de pedra eterna
O deixar transformado.

Então foge, Medusa, foge para longe,
Para longe do teu amado.
Esconde-te no meio de ruínas desertas,
Onde somente rochas
Te tem acompanhado.

Desvia teu olhar
De agora em diante
De todas as coisas vivas
Ou terás apenas essas companhias
Pétreas infinitas como os diamantes.

Que triste sina, preferiria
Ser cega, demente ou morta!
Seja lá o que fosse,
Qualquer outra situação
À essa visão torta.

Mas a vida é assim
E o destino não é o que se escolhe.
Sentada sozinha no escuro da gruta,
A poderosa Medusa
Dos cabelos de serpente se encolhe.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O Tempo


(A persistência das horas - Salvador Dalí)


O tempo é como um moinho de cana:
Primeiro, ele mói a cana e gera a garapa,
Depois, ele ferve a garapa e gera açúcar,
Em seguida, ele derrete o açúcar e gera caramelo,
Finalmente, ele queima o caramelo e gera carvão.
...
Em que tempo você está?
...
Se continuar, o carvão gera a terra,
E a terra gera a cana.
...
Tome tempo, pome tempo, tempo mote, tempo pode...

sábado, 31 de julho de 2010

Relatório nº 2: da Normalidade




A vida nas águas nunca foi fácil, Senhor. Quando princesa, eu possuía obrigações sem-fim. Invejava as princesas da terra e dos ventos. Correndo pelos bosques, colhendo flores do campo, brincando no ar. E eu lá, submersa em preocupações. Por isso, cresci me achando tão diferente. Poderosa... mas insegura, sensível, possessiva. E quando tornei-me rainha (da minha vida, do meu destino) tudo ficou mais difícil. Sempre desejei ser como as outras rainhas, que além de serem muito mais majestosas do que eu, encontravam príncipes, faziam planos e enfim gozavam de uma vida normal.
Mas qual não foi a minha surpresa ao, num encontro casual, conversar com as rainhas da terra e dos ventos. Ao partilharem suas histórias acabei descobrindo o quanto temos em comum, Senhor. Primeiro que, apesar de suas vidas terem sido aparentemente perfeitas, isso não nos privou de termos as mesmas experiências. E como resultado, termos os mesmo medos, as mesmas inseguranças, as mesmas opiniões e até as mesmas reações diante dos fatos. Segundo que, se normal é definido pelo habitual, natural e comum, sim (e assim), eu o sou!
Até agora, não sei se isso me faz melhor ou pior. Mas me sinto bem ao ver que não sou a única. Daí, o Senhor pode até me perguntar: “e se elas também não forem normais?” Então todos somos todas loucas... e felizes.


"Loucura, eu penso, é sempre um extremo de lucidez.“[Caio Fernando Abreu]

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Se eu pudesse...


Se eu pudesse,
Me uniria novamente a ti.
Carne com carne,
Nos fundiríamos.
Nos tornaríamos como um.
Um ser bizarro
De um só corpo
E quatro pernas e quatro braços.
E seríamos como antes
De Apolo ter nos separado.

Se eu pudesse,
Evitaria todo sofrimento teu.
Pisaria os espinhos
Destinados aos pés teus
Enquanto pisarias sobre os meus.
Sangraria cada gota de teu sangue,
E choraria cada lágrima tua.
Penaria cada dor,
Ouviria todo sermão
Que a Parca para ti escolheu.

Se eu pudesse,
Todo teu seria o meu conhecimento.
Faria tua a minha alma,
Teu o meu hálito,
E também o meu engenho.
Teus seriam os meus dons
E todos teus seriam os meus gozos.
Não irias mais trabalhar ou estudar,
Não dispenderias mais esforços,
Pois para ti tudo tão fácil viria.

Se eu pudesse,
Ah, se eu pudesse!
Me ausentar de ti nunca mais,
Mas viver contigo a ida inteira.
Mas se não passo
De apenas um humano,
Que posso oferecer de mais valioso,
Que não essa vida e minha presteza?
Essa vida, esses olhos, essas veias,
Essa respiração, esse sangue
Que só por ti vagueia.

sábado, 24 de julho de 2010

Observação Visual: BIG BANG BIG BOOM

O peso da gratidão

E Deus deu uma graça a todos os seres humanos.
A eles foi dada a capacidade de fazer qualquer coisa, qualquer escolha: o livre-arbítrio.
E eles escolheram não agradecer uns aos outros.

Eu estava andando pelo mundo e observando conforme me havia ordenado o Criador, então percebi uma característica muito comum nos seres humanos. Percebi que era muito difícil para várias pessoas devolver ou mesmo reconhecer ações benéficas que lhes haviam sido concedidas. Entendi que a gratidão não era uma característica muito desenvolvida entre os humanos e iria escrever um relatório sobre isso, mas já encontrei outro texto (na verdade, uma música) muito adequado. Espero que o Senhor goste:

"Geni e o Zepelim
(Chico Buarque)

De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Com os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir

Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo: "- Mudei de idéia
Quando vi nesta cidade
Tanto horror e iniqüidade
Resolvi tudo explodir
Mas posso evitar o drama
Se aquela formosa dama
Esta noite me servir"

Essa dama era Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela
- e isso era segredo dela -
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão

Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni

Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir

Joga pedra na Geni
Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni
"

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Mal-entendidos

"Should I? Could I? Have said the wrong things right a thousand times (...)
You cried, I died. I should've shut my mouth, things headed south
As the words slipped off my tongue, they sounded dumb (...)
Misunderstood"
(Misunderstood - Bon Jovi)

Mais uma vez eu falei algo,
E mais uma vez eu fui mal interpretado.
Novamente você ficou com raiva de mim,
E outra vez fica ressentida. Desse jeito assim.

Às vezes fico em dúvida se a gente fala a mesma língua.
Um tipo de convivência meio amiga, meio inimiga.
Só posso me perguntar se o que eu falo tem algum sentido.
Será que o que digo não pode ser entendido?

Você mal chegou e já te fiz sofrer.
Já que você está assim e não tem muito que fazer,
Espero que me entenda e não me culpe.
E se for isso que você quer tanto ouvir: Me desculpe!

Só quero que as coisas não sejam sempre assim,
Cansado desse de novo, novamente de discussões sem fim.
Cansei de tudo, não quero mais brigar.
...
Por favor, me deixa só. Só quero pensar.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Depoimento de uma Jardineira (ou História de um Jardim)


(Inferno - Hieronymus Bosch)


Transformei meu labirinto num deserto
Matando todas as flores de meu jardim.

Matei as flores morais,
As flores da pressa,
As flores do sonho,
E as flores da véspera...

Matei todas as plantas do meu jardim.
Matei todas as ervas que eu cultivava.
Matei essas pragas chamadas sentimento.
Matei de sede, sem regá-las.
Matei-as, sim...

Meu jardim estava todo seco e estéril
E eu estava em paz no meu solo sagrado.
Limpo, árido e tranqüilo.
Fiquei bem,
no meio do meu jardim.

Mas aí chegou você, Jardineiro!
Que fez todas as plantas aparecerem novamente.
Que semeou indiscriminadamente.
E cuidou de cada semente.
E regou com todo cuidado, displicente!

Você fez de meu refúgio um lugar bom outra vez:
Verde, lindo e vivo.
Onde brota toda sorte de vegetais.
Onde se aspiram aromas florais.
Onde agora acampam animais.

Meu jardim nunca esteve... tão bonito...

Então, Jardineiro, é assim?!
Você vem e bagunça todo o meu jardim?


[Jardim da Delícias Terrenas - Parte central do tríptico "Jardim da Delícias Terrenas" (Interior) - Hieronymus Bosch]

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Por que escrever?

- Por que ele escreve?
- Porque, ao escrever, ele se distancia da morte e do medo que ela causa,
  Ignora ou visceraliza suas limitações e temporalidade,
  Revive ou esquece e memórias,
  Visita ou abandona lugares.
  E mesmo que isso tudo tenha sido intangível,
  Em algum lugar definitivamente aconteceu!

domingo, 4 de julho de 2010

Rememorar

"Se chove lá fora,
queima aqui dentro.
(...)
Quando chove,
fica mais triste esperar
por alguém que não vai chegar." 
(Quando chove - Patrícia Marx)

Ele correu pelo labirinto
Buscando algo indefinido
Nem ele sabia bem o que era
Seguiu buscando o cheiro dela

Após cada curva, direita esquerda
O medo de perdê-la da cabeça
Buscá-la a todo e cada instante
Correr por mais que estivesse distante

Mas sabia que ao final não viria prêmio
Ainda assim, a dor seria seu maior alento
Valia a pena isso se era a única forma de revê-la
Já que em vida já não era mais possível mantê-la

Ao final do labirinto: Perigo!
Lhe esperava um punhal, aflito
Mesmo assim não pensou
Contra ele se lançou

A dor lancinante de perde-la outra vez
Mas esta era a única forma de a manter
Se a forma de, no coração, ela viva ficar
Por essa mesma dor, iria vezes passar

Outra vez a mesma dor de relembrar...

sábado, 3 de julho de 2010

Essência


(Lírios - Van Gogh)

"É como um cheiro de saudade,
que na verdade nunca vai sair de mim.
Anda comigo desde o tempo de menino,
Acompanha o meu destino.
Me faz tão feliz assim."
(Cheiro de nós - Santanna)

Ela estava sentada naqueles bancos mais altos do ônibus e nem o viu chegar. Não viu quando ele se sentou logo à sua frente. Nem percebeu quando ele colocou sua mochila no lugar vazio ao seu lado e abriu a janela, mesmo chuviscando lá fora.
Não viu nada disso, mas percebeu a sua presença quando o cheiro de folhas frescas dele encheu o ar à sua volta com a abertura da janela. Só nessa hora ela abriu os olhos. Viu o pedaço das costas dele que o banco do ônibus não impedia a visão e a parte de trás de seu cabelo. Viu que ele usava um casaco preto e, embora fosse inverno, nem estava tão frio assim. Imaginou que ele fosse friorento. Viu na base do dedo anular direito dele uma marca de bronzeado de anel. Imaginou que tivesse sido noivo por um bom tempo, mas teria acabado há pouco sua relação. Fechou os olhos e sentiu o perfume e tentou lembrar a que esse perfume recendia.
Era cheiro de calor. Também era o cheiro do som. E de luz. E de risadas.
Imaginou como ele era e nesse momento decidiu verificar. Tocou-lhe o ombro e quando ele se virou, ela o puxou para o lugar a seu lado no banco. Antes que ele falasse, ela o aproximou e o beijou na boca, abrindo os lábios dele com a sua língua. E deixou que ele fizesse o resto.
Ele a beijou de volta e subiu com sua boca em direção à orelha dela. Lambeu-a e a explorou e, entre gemidos, desceu pelo pescoço dela em direção aos seios, ao mesmo tempo em que lhe desabotoava a camisa. Lambeu-lhe os mamilos e continuou a recuar em direção ao baixo ventre, enquanto abria o zíper da calça dela. Ela continuava de olhos sôfregos fechados, arfando, até que ele enfiou o nariz ente suas pernas.
...
Ela sentiu um toque no ombro e quando olhou para o lado, uma moça jovem olhava para ela constrangida e perguntava se aquele lugar ao seu lado estava vazio e se podia sentar nele.
Só então percebeu que estava mordendo os lábios enquanto prendia as mãos entre as coxas.
Balbuciou um rápido claro, claro, já vou descer de qualquer forma. Puxou a cordinha do ônibus e olhou mais uma vez para o rapaz à sua frente e imaginou se deveria falar com ele.
Desistiu. Deixou estar.
Deixou que tudo aquilo permanecesse numa existência aérea, meio sublimada. Um pouco esparsa e um pouco nítida. Algo assim como aquilo que trouxera ele para ela. Algo como uma essência.

sábado, 19 de junho de 2010

O nascimento dos sete pecados (Parte III - Inveja, Ira e Preguiça)


(Wellington Virgolino - Inveja)
"A gente se deu tão bem
Que o tempo sentiu inveja
Ele ficou zangado e decidiu
Que era melhor ser mais veloz
E passar rápido pra mim"
(Móveis Coloniais - O Tempo)

A Inveja nasceu cega. Nasceu cega e assim ficou por apenas um segundo, talvez menos. E logo em seguida abriu seus olhos. Todos eles. Os milhões de olhos que lhe cobriam o corpo. E, com esses milhões de olhos, ela conseguiu enxergar a todos, menos a si própria. Viu o brilho amarelo da luz em tudo, que a luz brilhava em todos, menos em si. Viu os defeitos de todos e não vendo os seus próprios achou que não os tinha e os desejou para si. Viu cada uma das qualidades de cada um e se supondo deficitária de todos esses, desejou-os todos também. Mas desejar só não era o suficiente. Deveria ter tudo, mas com a condição sine qua non de que esse tudo fosse somente dela, de mais ninguém. Mas não apenas tudo fosse dela, deveria esse tudo também ter sido antes de alguém. Tomaria-o e ele teria mais valor porque seria tomado. Tomado pelas suas garras sedentas do alheio. TOMARIA TUDO. Poder, dinheiro, saúde, fama, beleza, paz, amigos, parentes, amores, fé, vida. E o que não pudesse ser roubado seria destruído. Se possível, antes tudo seria seu. Mas tudo o que não poderia ser seu, não seria de mais ninguém. E gerou a Ira.


(Wellington Virgolino - Ira)
"Vinha nego humilhado, vinha morto-vivo, vinha flagelado
De tudo que é lado vinha um bom motivo pra te esfolar
Quanto mais tu corria mais tu ficava, mais atolava
Mais te sujava, amor, tu fedia, empesteava o ar
Tu que foi tão valente chorou pra gente, pediu piedade
E, olha que maldade, me deu vontade de gargalhar
Ao pé da ribanceira acabou-se a liça e escarrei-te inteira
A tua carniça e tinha justiça nesse escarrar
Te rasgamo a carcaça, descendo a ripa, viramo as tripas
Comendo os ovos, ai, e aquele povo pôs-se a cantar"
(Chico Buarque - Não sonho mais)

A Ira veio à existência com cem braços. Veio com cinquenta pernas. Veio com vinte línguas. E veio sem tolerância. Sem nenhuma paciência. Tudo lhe era irritável. Tudo insuportável. Tudo devia ser DESTRUÍDO. E todas as coisas eram tão sensíveis ao seu poder de obliteração que também isso a irritava e lhe fazia anelar mais a completa aniquilação de todas essas coisas. Tudo isso ela percebia só pelo seu toque porque ela também veio cega e surda. Imersa no seu interminável negrume, sem enxergar nem ouvir, não conseguia perceber quando algo acabava e ela continuava sua dizimação no que vinha subsequentemente, sem nem mesmo perceber que já estava lidando com coisas distintas. Seu toque incendiava, partia, quebrava, rasgava, esquartejava, apodrecia, difamava, afundava, apagava, ruía e matava. A destruição era continuada, sem intervalos. Uma coisa, após a outra, e outra, e outra. E ainda não fatigava, mas pariu a Preguiça.


(Wellington Virgolino - Preguiça)
"Com meus pés, não vou
Venha me buscar
Mas só vou de colo
Pra não me cansar
O meu passo faz caminho
Mas se alguém não se agradou
Pra mudar vai dar trabalho
Com meus pés, não vou"
(Beth Carvalho - Salve a preguiça de meu pai)

A Preguiça não veio. Ficou deitada. Sempre deitada. Quando muito sentada. Recostada no encosto da cadeira, e já era esforço demais ficar assim. Mas em pé, jamais. Era enorme e não tinha energia nenhuma. Nunca se deslocava e preferiria morrer a ter que fazer algo. Toda aquela dificuldade para se por em movimento. Viva a lei da Inércia! Só no caso do corpo parado, que fique bem claro. Nada de continuar em movimento. Já lhe era grande custo mesmo pedir para alguém lhe trazer algo. Diferente de todos os demais, ela não queria algo. Já estava satisfeita. Plenamente satisfeita. Era só não se mexer mais, NUNCA mais. Mas não sorria feliz porque isso também era desgastante. Talvez se não fosse ela nessa linhagem, a sequência tivesse continuado, mas com a Preguiça, os pecados acabaram em sete mesmo. Ela também preferiria morrer a ter o esforço de gerar algo.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Desculpe-me a Sinceridade




Falo ainda o que penso, não tanto o que sinto (embora sinta o que pense e pense no que sinta). Sei que a minha sinceridade às vezes dói, corta, machuca. Afinal, nós não lidamos bem com a 'verdade' esfregada na nossa cara, não é? Não admitimos que alguém saiba mais de nós do que nós mesmos. E quem sou eu para sair por aí dizendo o que você é ou não é? Mas não me interprete mal, baby. Não julgo fazer comentários desnecessários. Falo para o seu bem. Porque eu te quero bem. E mesmo que você fique mal (e que eu também fique mal quando assim reajas), não falo em vão. Quero ver você melhor. Quero ver você mais forte, garoto. E não creio que o que eu te falo esteja assim, de todo, cor-re-to. Não está. Eu só quero te mostrar o outro lado, entende? Eu quero te provar que existe muito mais do que o que você já viveu. Você é novo ainda. Novo de idade, novo de experiências, novo de vida. Ainda vai viver muito, ah se vai... E vai passar por muita coisa. Mas você não precisa sofrer tudo que eu sofri para aprender, não é? Estou te dando o caminho mais fácil menino: aprenda com alguém que já viveu. Assim como eu aprendo com você, a cada dia. E não é isso que nos torna tão próximos? As nossas diferenças? Quem sabe um dia então, um aprendendo com os erros do outro, poderemos nos tornar pessoas... nem melhores, nem piores, só pessoas... mais... completas?
Mas, em todo caso, desculpe-me a sinceridade.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Boletim n° 001

“E o Príncipe, respondeu: Senhor, imploro teu perdão, mas não era capaz de me comunicar contigo. Fomos todos apanhados por uma tempestade (chamada por ti de “disciplina”) durante nossas excursões pelo mundo, quando estávamos todos próximos. Soube de imediato que eram teus servos observadores, embora o Senhor não os tenha me apresentado. Vi alguém cuja expressão parecia carregar a experiência de mil vidas e a vivência de mil anos. Sua sabedoria parecia guiá-lo no meio do tempo torrencial como se fosse mero chuvisco e ele foi o primeiro a sair do temporal e te encaminhar uma missiva. Vi ainda uma mulher que caminhava sobre as águas e de seus olhos jorravam fontes de dor, tristezas, memórias e alegria. Ela parecia habituada às águas, não importando quanto agressivas elas fossem. Domou a área de intempérie que a envolvia e foi a segunda a escapar dessa e a lhe mandar a escrita solicitada. Finalmente, observei uma outra mulher vestida com uma armadura que brilhava como a luz do dia. Ela tinha o rosto que lembrava uma criança, mas seus gestos eram decididos e percebi que a teimosia era uma espécie de talento seu. Andava ereta na direção contra o vento e este não parecia conseguir fustigá-la. Sua força de vontade era maior que a violência do tempo e ela parece ter saído do mau tempo, mas não sei se se perdeu no caminho, porque ela se distrai facilmente e esquece o que estava fazendo. Mas tenho certeza de que com sua constituição, ela está bem. E quanto a mim, Senhor, como bem sabes sou fraco e não possuo grandes dons. Só posso observar. Encontrei abrigo e esperei a tempestade passar. Passei meu tempo escrevendo. Lembrando o que havia visto, ouvido e sentido. Esse é o meu dever. Esse é o meu talento. Reviver o que já foi vivido, sentido e destrinchar cada fragmento de emoção sentida e a razão de todas as coisas. O que sei fazer é pensar. Tenho medo de me lançar em novas experiências amedrontadoras, não guardo muito bem o passado e também não resisto muito bem às coisas. Mas posso pensar... Os relatórios serão normalizados a partir de agora!”.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Carta aberta

Aos meus amados observadores.

Há algum tempo não recebo meus relatórios semanais. Como sei de tudo, percebo que um, ou mais, dos sete pecados pode(m) estar atrapalhando vocês.

Me disseram que vocês estiveram imersos em uma disciplina tal como um inseto hematófago, mas também fiquei sabendo que já se livraram da "maledita" tem aproximadamente 1 mês.

Então meus caros observadores, onde estão os relatórios?

Se por acaso dentro de suas cacholas ainda permanecem, prestem o serviço a que se comprometeram e os coloquem para fora.

Não há o que temer. Temos bons momentos pela frente - Copa do Mundo; PIB em alta; Eleições; Etc - Nestes momentos tudo costuma ser feliz, animador e/ou promissor.

Portanto, principalmente quando felizes estiverdes, não se esqueçam do compromisso assumido, pois mais livres estarão para esmiuçar os acontecimentos de vosso planeta.

Com o carinho e amor do Pai!

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Negro

De volta. Clack! Mais uma vez. Quero aproveitar cada segudinho desse momento para te dizer o quão fraca você é. O muito penar que você tem pela frente. Desculpe-me, eu sei que não era isso que eu te dizia há algum tempo, mas também nunca ouvi de ti aquilo que eu tanto anseio desde aquele fatídico dezembro de 2008. De lá até aqui se passaram 16 meses e 13 dias, dos quais dediquei alguns para você.
E mais uma vez em vão! Não adianta me olhar no espelho, dizer pra mim mesmo que tudo o que passou serve como experiência, aprendizado. Não adianta porque dói. Dói demais e, nessas horas, me arrependo de dizer que prefiro algo ruim porque me dá uma sacudida. Não quero ser sacudido dessa forma. Não quero essas borboletas no meu estômago. Eu queria apenas você. De fato, não do jeito que você é. És tão pouquinho para mim.
Já tive quase tudo aos meus pés e de ti tive apenas os teus pés. Todos viam em meu rosto um raio de Sol querendo sair e iluminar a minha vida e graças a Deus que era isso que eles viam, pois a única coisa que eu enxergava eram teus pés. Cada medíocre dia de minha vida seguia lambendo o chão onde pisavas, catando as sobras, poucas por sinal, que para mim deixavas. Não consigo te desejar bem agora já que minha vida se tornou mais um eclipse.
E eles, ah eles já não vêem mais raios de Sol. Pelo contrário, estou negro. E Deus sabe o tanto que eu queria que isso fosse apenas um tom de pele meu.

terça-feira, 4 de maio de 2010

O rumo




Havia um menina. Uma menina e um objetivo. Construir um muro.
Desde quando, não lembrava. Sabia somente que era a sua meta. O muro.
Dia após dia, ia colocando tijolo por tijolo. O cimento também ela preparava. Com água, com suor, com lágrimas, por vezes. E o muro ia crescendo.
Vez em quando chovia e ela parava a construção. Cobria o muro em crescimento com uma grande lona, tentando protegê-lo da intempérie. Então esperava pacientemente o sol sair, secar o tempo. Por vezes, o chão tremia e parecia que tudo ia desabar. Ela chorava e rezava para que o muro agüentasse a instabilidade. E mesmo assim, o muro ia crescendo.
Chegou a época que de tão grande que ficara, precisou de uma escada. E o trabalho aumentou. Sozinha, subia e descia carregando os tijolos para cada vez mais alto. As pessoas nem a viam mais. A menina escondia-se atrás da sua obra. Mas isso não importava. Ela apenas queria poder dizer para o mundo inteiro que havia construído o maior, o mais belo, o mais forte muro que já se havia construído.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Menos com menos...

Blusa vermelha,uma saia estampada um pouco acima dos joelhos e sapatos que eu adoro: all star preto. Vestida desta maneira, se encontrava parada, tímida e aparentemente ansiosa, naquela enorme fila do cinema. Ergueu sua cabeça e seus olhos verdes vieram ao encontro dos meus.

Mais um affair se iniciava.

Dessa vez, um amigo me indicou dizendo: Essa é para casar! E acho que foi por isso que criei tanta expectativa. Já andava meio cansado de tanta curtição, de tentar e tentar sem muito sucesso.

Nós já tínhamos conversado algumas vezes por telefone. Voz dengosa, cheia de manha. Falava pausadamente e eu podia sentir cada sílaba vibrando meus ossinhos. Talvez olhos de Capitu ou, quem sabe, de Iracema. Só tinha certeza que eles escondiam uma vida inteira.

Era apenas três anos mais velha que eu – sim, eu estava conhecendo as mais “maduras” nessa nova fase – mas suas experiências a gabaritavam para muitos anos mais.

- Oi, disse com um sorriso discreto.

- Olá, me respondeu com um sorriso largo. Ainda bem que você chegou porque não gosto de ficar sozinha.

Eu tinha chegado 5 minutos antes do combinado e, naquele momento, percebi que um poço de carência estava diante de mim. Por favor, não concluam que estou querendo ser o sabichão, mas existem coisas pelas quais passamos que nos deixam de antenas ligadas. As minhas eram até demais...

Assistimos a um filme infantil. Durante a película, trocamos algumas palavras e fizemos alguns comentários a seu respeito, bem como daqueles que conosco a assistiam.

Um jantar após o cinema, como de praxe. A todo momento, me perdia em pensamentos e não conseguia sequer me concentrar naquele prato suculento que até hoje não sei o nome. Me perguntava se conseguiria mergulhar naqueles olhos vistosos, se deveria seguir em frente ou simplesmente desistir naquele momento e, assim, ter apenas mais um encontro.

Deveria ter desistido naquele dia mesmo. Teria sido bem mais fácil – mas quem disse que o caminho mais fácil é sempre melhor que o da dor? – Na verdade, se assim o tivesse feito, hoje estaria me questionando se teria dado certo e se ela teria sido o grande amor da minha vida. Bem, isso não aconteceu. Alguns meses se passaram e a lição que pude tirar deles é a seguinte: “Menos com menos dá mais” apenas na multiplicação matemática.

Fim.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Sem nexo!

Desculpem-me os normais!Não gosto de dias assim.
Pode ser paradoxo, mas prefiro algo ruim, que me faça refletir, a passar o dia todo como se não houvesse vida lá fora.
Pode ser não, eu sou um paradoxo de fato e de direito. Acho, como quase todos, que reclamo de tudo.
O grande problema é que às vezes falta vida na vida. E se falta vida na vida, ela já não é mais a mesma.
E se for nessa vida incompleta que falta mais vida incompleta? Vai chegar ao nada em seu ciclo vicioso. Que loucura!
Como em um jogo “resta um”, me sinto como aquele pino no meio do tabuleiro, esperando a sua grande chance (de ser lembrado, visto, percebido). Ora, mais que chance? Pois assim que o atingirem, dirão: Ganhei! Resta um.

E nada mais.

Ficará ele para sempre como aquela coca-cola de uma semana na geladeira. Como a comida fria e sua falta de atrativo. Como os intermediários, os medianos. Como eu, sem saber o que fazer, ou pior, sem saber “escreviver”.

terça-feira, 30 de março de 2010

O nascimento dos sete pecados (Parte II - Gula e Avareza)

(Wellington Virgolino - Gula)
"Você traz a coca-cola, eu tomo.
Você bota a mesa, eu como, eu como,
Eu como (...) você.

Bota a sobremesa, eu como, eu como,
Eu como (...) você!
"
(Você não entende nada - Caetano Veloso)
 A Gula foi gerada vazia. Um grande vazio que dava dor. Um enorme oco que precisava ser preenchido com coisas e mais coisas, externas. Mas nada que entrava ocupava espaço. Entrava e desaparecia. Entrava e desaparecia. E ela foi primeiro criança. E nessa carência de ocupação do espaço interno foi atrás de doces. Doces, doces, muitos doces. Verdes, vermelhos, amarelos, azuis. Açúcar. Sacas de açúcar para ocupar algum canto, menor que fosse. Mas não ocupou. E cresceu e foi adolescente. E procurou por frituras e gorduras. Óleo amarelo, translúcido, líquido, quente, borbulhante. O cheiro do óleo frito a atraía e ela fritou tudo o que viu. E engoliu, mas também não adiantou. E foi adulta. Procurou por carnes de todos os lugares. Vermelhas e brancas, assadas ou sangrando, ferrosas. Tudo ingeriu e não adiantou. E foi idosa. Deglutiu cremes, pastas, sopas, chás. Mas também não teve efeito. Até hoje ela tenta ocupar seu oco, agora comendo tudo junto. Doce, salgado, azedo, amargo, oleoso, umâmi e água. Até hoje o buraco persiste. Maior que nunca, mais largo que nunca, mais fundo que nunca. E maior continua a sua necessidade. E procriou a Avareza.


(Wellington Virgolino - Avareza)

(Iria ter uma pequena epígrafe aqui também, como todos os demais pecados, mas a o Avareza tomou para si, disse que era só dela e que não iria deixar mais ninguém ver)

A Avareza era diferente. Também possuía dentro de si uma grande caverna sem nada, desocupada, pronta para ser preenchida. Mas o que lá adentrava, ocupava sim um espaço. E ela juntou dentro de si tudo o que tinha e encontrava. Qualquer coisa que podia ser medida, qualquer coisa que podia ser pesada. Mas era melhor aquilo que luzia. O que tinha valor, real ou imaginário. E sua gruta começou a encher. Dentro, começou a lotar. Ela sentiu que quando ficasse abarrotada seria tomada de um êxtase maravilhoso. Mas toda vez que seus conteúdos iam tocar o teto, ele se deslocava para cima. O teto sempre se afastava quando estava perto do total preenchimento. Inexoravelmente se distanciava. Então ela começou a guardar ainda mais dentro de si. Precisava alcançar a plenitude e sentir aquilo, por isso necessitava de mais. Queria tudo e queria mais. Tinha tudo e queria mais. Até que as coisas chegassem no topo que não chegava. E se alguma vez lhe tiravam algo de dentro, o espaço desocupado era o triplo. Não o quádruplo. Não o duodécuplo. Qualquer coisa tirada liberava muito mais espaço do que ocupava e ela desejava aquilo de volta com uma ânsia extremada. Era preciso pegar tudo e ficar com tudo. Assim, veio à luz a Inveja...

domingo, 28 de março de 2010

Carta (pseudo) Anônima




Sabe, estive pensando em você. Estive pensando muito em você. Não que eu queira, na verdade, mas ultimamente... impossível é não pensar. Estive pensando nas coisas que passamos. Passamos é passado, não é? Pois bem. Passamos por coisas que estive pensando. Mas não é por isso que te escrevo, eu apenas queria te dizer uma coisa.
Lembrei-me como o dia começava bem quando eu chegava ao trabalho e encontrava contigo. Estávamos perto. Apenas uma porta de vidro nos separava e isso não era nada para nós. Era engraçado... ás vezes você aparecia na porta só pra ver se eu estava lá, no meu lugar. E tantas vezes eu fiz a mesma coisa... Mas não era isso que eu queria te falar.
Recordei as tuas brincadeiras. Sempre foras um palhaço, sabia? Conseguia me fazer rir mesmo se minha face estivesse envolta em lágrimas, ou se a raiva tomasse meu corpo ou o desânimo, minha mente. Ah, como eras louco. Mas também não é isso.
Mas sabe o que mais eu lembro? O teu carinho. O teu cuidado comigo. O teu abraço. O teu toque. O teu beijo. Revivi os teus abraços apertados dados sem motivo, só pela vontade de abraçar. O teu gesto respeitoso de beijar-me a mão quando os outros estavam por perto e o teu beijo doce quando estávamos a sós. Lembra? Eu até reclamava por seres assim, tão pegajoso. Boba, eu era. Ainda sou, não é?
Mas eu não consigo me lembrar o que tinha que te dizer. São tantas as lembranças... Seria capaz de escrever folhas e mais folhas para reviver o que vivemos. Mas vivemos é passado, né? Eu sei que na última vez em que conversamos você disse que se sentia frustrado por não termos dado certo e eu disse que tinha superado o que eu sentia por você, afinal, sentia é passado. Mas desde a última conversa faz tempo. E mais tempo ainda que a gente não se vê. Aconteceu tanta coisa na minha vida nos últimos anos. Mas acho que isso não importa. E também não é isso.
Eu sei. Sei que você tem outra pessoa agora. Eu não. Não consegui encontrar outro louco que me aceitasse assim, desse jeito que eu sou. Meus defeitos, minhas crises, meus problemas. Mas isso também não importa. Aliás, de repente, parece que nada mais importa.
Mas estou chegando no fim da carta e nem lembro porque a escrevi. Eu tinha que te dizer alguma coisa, mas o que era? Bem, acabou, não é? E acabou também é passado. Viu? Aprendi a conjugar os verbos no pretérito-mesmo-que-imperfeito. É. Acho que aprendi.

Ah, lembrei! Lembrei o que eu queria te dizer!
Faz falta, viu? Faz muita falta...

Com carinho,

sábado, 27 de março de 2010

Os declaro culpados!!!

"...DECISÃO.

9. Isto posto, por força de deliberação proferida pelo Conselho de Sentença que JULGOU PROCEDENTE a acusação formulada na pronúncia contra os réus ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, ambos qualificados nos autos, condeno-os às seguintes penas:..."

Foram essas algumas das palavras ditas pelo Juiz de Direito Maurício Fossen no julgamento mais esperado dos últimos anos.

Do lado de fora do fórum, quase 3 minutos de fogos de artifício. Uma mobilização popular enorme, comemoração. Sede de justiça ou vingança? Alguns falando em morte ao casal. Sério? Será que fazendo isso, não estaríamos nos igualando aos réus?

Há muito tempo se tem confundido justiça com vingança. Vou confessar uma coisa: Por alguns momentos, passou pela minha cabeça a possibilidade deles serem inocentes. Tudo bem, eu sei que tudo leva a crer que eles são os assasinos. Mas se, como naqueles filmes espetaculares ou um episódio de Cold Case, o que parece ser não for verdade, tiver acontecendo agora?

Sinceramente? Não quero pensar nesta possibilidade e também concordo que eles sejam culpados. Só não sinto esse ódio que as pessoas fazem questão de proclamar aos 4 ventos. A justiça sempre é feita, seja a nossa ou a divina (esta com certeza).

Claro que é bem mais fácil falar na posição que me encontro, não tenho parentesco, não foi minha filha e talvez até agisse da mesma maneira. Mas, vendo de um ângulo diferente, menos emotivo, continuo enxergando a dor, o ódio, a vingança e, o que eu acho mais estranho e ao mesmo tempo penoso é que os milhares que queriam e querem a morte do casal, na verdade desejam se livrar de suas próprias perdas, dores e remorsos.

terça-feira, 23 de março de 2010

Quando envelhecer quero usar púrpura...


Quando ficar velha, quero usar púrpura com chapéu vermelho, que não combina e fica ridículo em mim...

Vou gastar o dinheiro que tenho em refrigerante, usarei luvas no verão, e me queixarei que falta manteiga em casa...

Vou sentar-me no meio-fio quando estiver cansada, comerei todas as ofertas do supermercado, tocarei as campainhas dos vizinhos, arrastarei minha sombrinha nas grades da praça e só assim me sentirei vingada por ter sido tão séria durante minha juventude...

Vou andar de chinelos, plantar flores no jardim dos outros e tirar lixo do chão...

Vou usar roupas confortáveis, engordar sem culpa, comer um quilo de salsichas no almoço ou passar uma semana só na base do pão com requeijão...

Vou juntar caixinhas, lápis e rótulos de leite condensado...

Mas, enquanto ainda sou jovem, preciso de um tipo de roupa que me deixe seca em caso de chuva, tenho que pagar o aluguel, não posso dizer palavrão na rua, sirvo de exemplo para infância, preciso ler jornal online, estar informada, convidar meus conhecidos para rodízios...

Por isso, quem sabe eu não deveria começar a treinar desde agora?...

Assim ninguém ficará chocado quando, de repente, eu ficar velha e começar a usar púrpura...

(Adaptado de Paulo Coelho)

domingo, 21 de março de 2010

...



So I'm leaving, my best friend
Just for the hell of it
Just for the sake of it
But how much I loved you

[Redwings - Guillemots]

Nunca entendera muito bem de onde viera o bloqueio com aquelas três palavras. Separadas, utilizava-as com a freqüência usual, mas uma vez unidas, não sabe bem o que, porquê. Talvez não entendesse, sentisse, ouvisse.
Lembrava-se de quando criança as escrevia em cartões, desenhos de corações e jardins floridos e as dedicava à sua mãe. Mas dificilmente proferia as temidas palavras. E quando ousava, seus olhos enchiam-se de lágrimas doídas, mesmo antes de conseguir terminá-las. E não entendia.
Não recordava de tê-las usada com o pai, mesmo porque, por anos, esse sentimento passou longe de ser o que tinha por ele. Também não as entregara à sua irmã, a quem se limitava dizer que gostava muito e que, na distância, tinha saudades. Nem para outros parentes. Nem para amigos, salvo em algumas declarações por escrito, nunca falado. E não sentia.
Porém, uma vez, uma única vez, usou-as para um homem, o primeiro que a fez sentir. Queria falar. Precisava falar. E num ímpeto de ousadia-alegria-medo-todas-as-emoções-juntas-e-misturadas, disse. Esperou a resposta. E não ouvia.
E ela prometeu que nunca mais falaria.
Nem sentiria....

quarta-feira, 17 de março de 2010

Observações às escuras!

Pra quem não me conhece, (praticamente ninguém pois é minha primeira postagem) sou a Guerreira Gloriosa e fui incumbida, dentre outras observações, de observar filmes.
Confesso que escrever esse primeiro relátorio foi um tanto decepcionante pois, apesar de "ir ao cinema" ser uma atividade divertida e assídua dos humanos, os primeiros filmes os quais observei não foram tão bons.

Pra começar temos o filme chamadoPercy Jackson e o Ladrão de Raios:
Na verdade parece faltar muito conteúdo ao filme, além dos atores terem uma interpretação bastante fraca(na minha opinião). Sem falar que o pobre Percy é perseguido durante todo o filme e ele nem é o ladrão coitado. Sem falar que ele também me pareceu bem sugestivo, pois ao dizer que ele era o filho de um Deus e deveria ter muita força se torna o melhor aluno da escola de luta. Ouvir dizer que o livro talvez seja melhor.

A segunda decepção foi com o filme Premonição 4... Tomei o cuidado de ver os primeiros e esse com certeza conseguiu se superar no quesito....filme para não se assistir... Talvez seja uma boa pedida pra quem gostar de ver sangue e cabeças explodindo por pneus voadores... Pra mim foi um sofrimento assisti-lo até o fim.

O terceiro e o quarto filme não foram tão decepcionantes sendo duas animações: A Princesa e o Sapo, da Disney e Astro Boy.
O primeiro decorre como qualquer outro filme da Disney, onde existem um principe, uma princesa e vivem felizes pra sempre..... O que vale ressaltar é que esta foi a primeira princesa negra da Disney e a única que observei cujo objetivo nao era casar com o príncipe e sim trabalhar.... Um bom exemplo para as crianças!
Da mesma forma Astro Boy apresenta um gráfico legal, apesar de ter um início um tanto dramático ( quem conhece a criação dele deve saber o porquê), foi muito divertido de assistir.

O quinto e último filme, mas não menos importante, foi Sherlock Holmes. Na verdade deveria se chamar Sherlock Holmes e Watson já que este é tão imprescindível ao filme quanto o famoso detetive. Apesar de trazer um personagem diferente do original ( típico comportamento inglês, refinado e polido) o "novo" Holmes é bastante excêntrico e faz a história, já de ação, ser surpreendente e inusitada. Realmente conseguiu salvar esse mês.

Apesar da decepção inicial, pretendo cumprir a tarefa todo mês e com disposição. Afinal nada mais observador, do que observar pessoas observando outras pessoas.
Guerreira Gloriosa!

Que cheiro...

Estava me perguntando até agora por que esta noite está sendo tão difícil para mim após um dia relativamente bom. Lembrei-me agora, no exato momento de escrever este texto.

Estava na academia, em mais um dia de corpos suados, conversas idiotas e gente bisbilhoteira, quando me pego preso a um cheiro. Que cheiro! que aroma perturbador, tal qual aquele olhar de sua paixão escondida.

E cada vez que eu sentia aquele cheiro, milhares de receptores borbulhando, o coração acelerado, a ânsia de descobrir o que significava aquilo para mim.

Não conseguia identificar aquele aroma que marcou minha vida.

Lembro-me do cheiro do café feito pela minha avó, que ainda morro de saudades, do feijão da minha mãe, do perfume de paixões passadas, cheiro de hospital e consultório odontológico, mas desse aroma, não conseguia recordar... Até que...

Veio 2006 à minha memória. Ainda relutei, pensei: Será que é isso mesmo?

E cada vez que sentia aquele cheiro, mais ficava vivo na memória o pouco tempo de 2006 que me marcou, talvez uns dois meses que podem ser pouco aos olhos de muitos, mas que hoje fez um estrago medonho na minha noite e só percebi isso quando vim escrever esse desabafo.

O estrago não é pelo sofrer, nem pelo chorar ou arrependimento...

Esse estrago se chama saudade!

terça-feira, 16 de março de 2010

Quem será?


(Pescadores no mar - William Turner) 

(Homenagem a partir de emoções vividas a Caio F. Abreu em “Réquiem por um fugitivo”)

Se eu me esforçar na lembrança, consigo vê-la sentada no canto da sala, me olhando. Mas nunca a percebera enquanto estava lá. Enquanto ela morava lá. Só consigo entender que era ali que ela habitava quando me esforço para lembrar, tal era a sua quietude. E estava sempre ali, encolhida naquele mesmo canto da sala. Sempre me olhando. Com uma vergonha inexplicável e uma pureza inquestionável. Me observava com seu olhos castanhos. Tinha a pele e as vestes bem claras, os cabelos escuros e não aparentava ter mais que dez anos de idade. E assim ela ficou por um bom tempo.
Se continuar me esforçando, lembro que ela sempre esteve lá. Desde que minha primeira lembrança se formou, ela nunca mudara, nunca envelhecera. Eu não sabia (tal era a minha ignorância!), mas a verdade é que, embora não fosse uma presença chamativa, de alguma forma ela me protegia de muitas situações ruins, desviando minha atenção daquilo que poderia me machucar, ainda que eu não desse por sua figura.
A vida continuou assim: eu observado e protegido e ela sem envelhecer e sem ser percebida, até que chegou o dia. O dia em que eu percebi que ela estava ali. Tinha sofrido tantas dores e tantas desilusões que foi como se já não pudesse mais ser protegido e os meus olhos finalmente recaíram sobre a menina, só agora mulher. Ela já não estava mais encolhida no canto da sala, tinha acabado de se levantar. Ao percebê-la, olhei-a atônito, confuso por entender sua presença constante naquele espaço, mas nunca antes constatada. Ela me fixou os seus profundos olhos castanhos, agora tão tristes e me olhou como quem entende que está sendo expulso de casa e entende o porquê, mas sem demonstrar sinal algum de queixa. Olhou-me como quem sabe que não há mais o que fazer, por isso mesmo nem vale a pena desperdiçar energias discutindo pseudossoluções infrutíferas. Apenas me olhou como quem diz: “Tchau” ( e foi como se dissesse: “tchau para sempre”) e saiu. Nunca mais voltou e nunca mais fui o mesmo.
Agora espero. Apenas espero:
Espero que um dia, se ela quiser e puder voltar para casa, que seu caminho esteja aberto e seja fácil.
Espero que ela se sinta bem vinda e que a entrada da casa esteja iluminada e a porta já destrancada.
Espero ansiosamente seu retorno para que tudo volte a ser como era antes.
Espero encolhido no mesmo canto que ela ocupava.
Espero com o coração aos tropeços.
Espero a sua volta.

...

(Espero que ela volte e habite o meu coração, de onde não deveria ter saído nunca, pois foi só após sua partida que percebi a frieza do mundo e entendi a crueldade das pessoas.)

sábado, 13 de março de 2010

Observação Musical: FYFE DANGERFIELD




Cantor, compositor, musicista, vocalista da maravilhosa banda Guillemots, Fyfe Dangerfield se arrisca em seu primeiro álbum solo, o apaixonado Fly Yellow Moon. Com sua voz melódica e expressiva, Fyfe conduz o ouvinte aos sentimentos mais extremos com relação a pessoa amada. No primeiro single, She Needs Me, a alegria da paixão correspondida. Na dramática Barricades, lágrimas nos olhos. Por isso, moderação. Destaque também para a belíssima When You Walk in the Room.

Para quem quiser conhecer:



E para matar a saudade do Guillemots, que desde o ano passado trabalha em seu 3º álbum:

quinta-feira, 11 de março de 2010

Sossego

Uma noite longa
Pra uma vida curta,
Mas já não me importa! (...)
E são tantas marcas
Que já fazem parte
Do que eu sou agora
Mas ainda sei me virar.
(Lanterna dos afogados - Hebert Vianna)

Ela chegou em casa já cansada. O trabalho sugava suas energias e ela estava exausta. Ainda assim, pensou em nem chegar à sua residência. O trabalho ainda era muito melhor que a casa. Como esperava, mal entrou e já começou a discussão. O marido viera para cima dela com toda a sua ignorância porque ela se atrasara míseros trinta minutos para chegar, em comparação aos demais dias. Como sempre, ele argumentou que o comportamento dela era estranho, que ela o devia estar traindo, etc, etc. Não adiantou falar do acidente em cima da ponte, única rota para chegar em casa, que paralisara o trânsito. Sua sorte era que as vítimas já tinham sido recolhidas e o trânsito já estava sendo restabelecido. Não adiantou responder sensatamente a cada uma de suas injúrias. Começou a discutir com ele em tom cada vez mais elevado. Em pouco tempo, era possível ouvir os gritos por toda a vizinhança. Em pouco tempo, as crianças começaram a chorar como de costume. Sentiu-se mais uma vez exausta: nem em casa, que deveria ser seu refúgio, tinha paz. De todas as coisas, ver seus filhos aos prantos por causa das imbelicidades do pai era o que mais lhe doía. Chegou no quarto deles ainda aos gritos. Beijou-os afetuosamente e tentou sem muito sucesso acalmá-los. Era difícil, ainda mais quando ela também não conseguia ficar calada com os insultos e gritava tão alto quanto o marido. Toda semana era a mesma coisa. Mas hoje estava mais cansada que os outros dias. Saiu do quarto e não gritou mais. Ele continuou esbravejando com ela e ela não disse mais nada. Ele com raiva por não ser respondido, deu-lhe um tapa no rosto. Tinha batido no rosto dela pela primeira vez e ambos sabiam que a face era área proibida devido à demasiada falta de respeito que isso indicava. Ela o olhou assustada, enquanto punha a mão sobre a área esbofeteada. Fez menção de reagir, mas estancou. Continuou em seu passo lento para fora de casa e, ao sair, sentou-se na escada da entrada e começou a chorar. Os gritos cessaram de todo. Depois de esperar vários minutos, ela tornou a entrar em casa, encaminhou-se para o quarto e lá viu o marido dormindo. Foi até sua escrivaninha, tirou a arma e o matou com cinco tiros: três tiros no peito e dois na cabeça. Deitou-se na cama e adormeceu ao lado dele: Paz, enfim!

domingo, 7 de março de 2010

Relatório nº 1: Amizade




Senhor,

Sabes que há muito venho cumprindo a missão que me destes. Observar não é fácil. Mas não penses que venho por este relatório queixar-me da tarefa recebida. Não é isso. Venho observar acerca do observado.
Nesses 22 anos de existência muitas coisas me chocaram ou sensibilizaram ou instigaram ou meio-que-tudo-isso. Porém, nada me fascina mais do que os relacionamentos humanos. E dentre eles, a Amizade.
Bem sabes que a Amizade é uma coisa bastante intrigante, Senhor. É incrível como em um determinado ponto de suas jornadas, duas pessoas se encontram, se reconhecem e dali em diante se dispõem a um relacionamento sincero e despretensioso. Mas não são todos que conseguem ser e ter amigos. É preciso ser generoso para ser amigo, Senhor. É preciso ser disposto, estar atento, ser necessário. Às vezes é preciso até ter 'super-poderes' para adivinhar que o seu fraterno te necessita apenas com um olhar, com uma palavra.
A Amizade não consiste em um contrato de tempo determinado, Senhor. Pode durar uma semana, um mês ou uma vida. E nunca é esquecida. Sempre está preservada em fotos, cartas, declarações, presentes materiais ou não. E é isso que torna a vida dos humanos mais completa, menos solitária. Se me permites o direito a uma humilde opinião, o amigo é uma das Tuas criações mais belas. Acima de tudo porque um amigo não espera nada em troca. E é isso que mais me inquieta. A despretensão do sentimento. É amigo porque o é. Simples. E na grande maioria vezes, um amigo nem sabe a importância que tem para o outro... Já vi muitos amigos salvando vidas, Senhor! E nem sequer se deram conta disso... Ah, se o amor entre os homens fosse assim... Ninguém sofreria por sentimento tão belo (mas este tema fica para o próximo relatório).

E é por tudo isso é que encerro meu relatório com uma súplica, Senhor: que bem-aventurados sejam os amigos, e que no mundo nunca faltem!


"É tão forte quanto o vento quando sopra
tronco forte que não quebra, não entorta..."

[Podes Crer - Cidade Negra]



*Para as amigas que salvaram a vida da observadora!*

sábado, 6 de março de 2010

O nascimento dos sete pecados (Parte I - Vaidade e Luxúria)

(Wellington Virgolino - Orgulho)

"Eu sou, eu fui, eu vou! (...)
Eu sou o tudo e o nada. (...)
Mas saiba que eu estou em você,
Mas você não está em mim. (...)
Sou raso, largo, profundo. (...)
Eu sou o início, o fim e o meio."
(Gita - Raul Seixas)
Primeiro surgiu a Vaidade, a mãe de todos os demais. E ela se achava tão incrível. Tão soberana. Tão suprema. Tão infinita. Tão completa. Tão independente... Bem sei que todos esses adjetivos não são relativos e, portanto, não deveriam ser precedidos do “tão”. Mas era isso que ela se achava: Tão tanto. Bela, inteligente, criativa, versátil, atraente, rica, forte, poderosa, senhora, única. Portadora da púrpura e do ouro. De tanto se achar, ela entendeu que ela não se achava, ela ERA. Tanta soberba, tanto conhecimento de si, tanto discernimento lhe mostrou que todos deveriam adorá-la, prostrar-se diante dela, reconhecer a dádiva que era a convivência com tão sublime e elevado ser. Todos deveriam obedecê-la. Ela não necessitava dos demais, ainda assim todos deveriam servi-la. Deveriam satisfazer seus desejos. Todos eles. Mesmo os mais secretos, deveriam ser adivinhados e satisfeitos. Então nasceu a Luxúria.


 (Wellington Virgolino - Luxúria)

"Sou toda sua, faça o que quiser de mim:
Me use, me labuze, mas me faça delirar.

A noite é nossa, me faça uma proposta indecente
Tou tão carente, vem me amar.
Me leva pro banheiro, debaixo do chuveiro,
Na sala, na cozinha, na nossa cama...
Mas por favor me ama,
Quero chegar no topo do prazer!
Quero amar você,
Quero chegar no topo do prazer
"
(Topo do prazer - Michelle Melo)
A Luxúria já nasceu adulta. Já nasceu desejo. Já nasceu tesão. Já nasceu curvas. Já nasceu reta, pontão. E tinha necessidade de tudo e de todos. Era necessário PENETRAR em tudo e SER PENETRADA por tudo. Era necessário que todos os buracos fossem preenchidos e todas as projeções encaixadas. Era necessário roçar e fremir. Tocar e cuspir. Sugar e colidir. E a necessidade era premente. Imperiosa. Não aceitava protelações. Não aceitava atrasos. Tudo tinha que ser agora, dentro, forte, duro, quente, rápido, suado, doído, macio, pulsátil, viscoso, sussurante, gemido, lânguido, carmesim, unido... Ah, englobador! Tudo tinha que ser misturado e amalgamado para se tornar um só, no interior, na profundidade, no eco do ego. Lá dentro. No eco vermelho. Após entrar, tudo se tornava um. Mas antes, tudo tinha que ser projetado para dentro numa enorme voracidade. O que deu origem à Gula...

A cobrança dos relatórios

“Então falou Deus: ‘Afinal o que houve? Mandei quatro de vocês a Terra para observar e relatar o que fosse visto e apenas três me respondem. Desses, só dois com frequência. Além disso, em duas semanas não recebi o mínimo de dois relatórios como havia sido ordenado!’ E reportando-se mais uma vez a Deus, o Príncipe falou: ‘Senhor, reconheço minhas falhas e, contrito, peço teu perdão. Esforçar-me-ei e me empenharei em cumprir tua ordenança. Entretanto, posso dar conta apenas de mim e não dos demais. Ainda assim, tenho um pedido para te fazer: tenho andado sobre a Terra e observado, como bem tens dito. Não obstante, percebi que há muito mais para se ver também além do que é terreno. Há ainda mais em outros mundos, sobrenaturais, místicos ou externos. Também a isso tenho estado atento e desejo compartilhar. Peço, portanto, tua permissão para relatar essas outras coisas’. E disse Deus: ‘Faça como quiser, mas me mantenha informado’. Que assim seja.”

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Das seis horas



O manto da noite caindo lá fora
O sussurro do vento da noite chamando
O portal místico da noite se abrindo
E eu aqui...

Pensando se respondo a seu chamado,
Decido entrar na noite
E nunca mais sair...

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Memórias: labirinto da vida pregressa


(Epitafium - Jacek Yerka)
"Porque o passado me traz uma lembrança do tempo que eu era criança.
(...)
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás."
(Poema - Cazuza)

O mundo das memórias é como um labirinto,
É fácil se perder nesse mundo infindo.

O mundo das memórias às vezes nos engana,
É fácil trocar cenas e ilusões vêm à tona.

O mundo das memórias nem sempre é acessível,
É fácil não encontrar mais o que fora esquecido.

O mundo das memórias às vezes nos saqueia,
É fácil enredar-se em muitas de suas teias.

O mundo das memórias é só bom anfitrião,
É fácil visitar. Mas se viver lá, sairá mais não.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

História

O passado está morto e também enterrado,
Espero que nunca mais saia dos meus porta-retratos.

O estrago do meu passado se compara às guerras por ouro,
De longe ainda se pode ouvir o eco dos estouros.

O passado está presente e ainda não se acabou,
Quando passou não poupou nada, levou-me tudo: até o amor.

O passado não é só memórias, nem é só lembranças,
Os pés continuam a doer após os primeiros passos da dança.

O passado ainda corre como sangue sob minhas veias,
E corre fino por entre os dedos como a mais fina das areias.

O passado está vivo e é encontrado em toda parte,
Ainda que avance a tecnologia e a gente se mude para Marte.

E se você me perguntar o que o passado me deixou,
Responderei sem hesitar: saudades, alguma alegria e muita consciência de dor.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Unbelieveble




Príncipe encantado
Princesa adormecida
Felizes para sempre

Fidelidade masculina
Sinceridade feminina
Respeito entre os lados

Amor impossível
Paixão incondicional
Confiança absoluta

Fé inabalável
Ceticismo completo
Tudo o que não existe

Não existe.