quinta-feira, 11 de março de 2010

Sossego

Uma noite longa
Pra uma vida curta,
Mas já não me importa! (...)
E são tantas marcas
Que já fazem parte
Do que eu sou agora
Mas ainda sei me virar.
(Lanterna dos afogados - Hebert Vianna)

Ela chegou em casa já cansada. O trabalho sugava suas energias e ela estava exausta. Ainda assim, pensou em nem chegar à sua residência. O trabalho ainda era muito melhor que a casa. Como esperava, mal entrou e já começou a discussão. O marido viera para cima dela com toda a sua ignorância porque ela se atrasara míseros trinta minutos para chegar, em comparação aos demais dias. Como sempre, ele argumentou que o comportamento dela era estranho, que ela o devia estar traindo, etc, etc. Não adiantou falar do acidente em cima da ponte, única rota para chegar em casa, que paralisara o trânsito. Sua sorte era que as vítimas já tinham sido recolhidas e o trânsito já estava sendo restabelecido. Não adiantou responder sensatamente a cada uma de suas injúrias. Começou a discutir com ele em tom cada vez mais elevado. Em pouco tempo, era possível ouvir os gritos por toda a vizinhança. Em pouco tempo, as crianças começaram a chorar como de costume. Sentiu-se mais uma vez exausta: nem em casa, que deveria ser seu refúgio, tinha paz. De todas as coisas, ver seus filhos aos prantos por causa das imbelicidades do pai era o que mais lhe doía. Chegou no quarto deles ainda aos gritos. Beijou-os afetuosamente e tentou sem muito sucesso acalmá-los. Era difícil, ainda mais quando ela também não conseguia ficar calada com os insultos e gritava tão alto quanto o marido. Toda semana era a mesma coisa. Mas hoje estava mais cansada que os outros dias. Saiu do quarto e não gritou mais. Ele continuou esbravejando com ela e ela não disse mais nada. Ele com raiva por não ser respondido, deu-lhe um tapa no rosto. Tinha batido no rosto dela pela primeira vez e ambos sabiam que a face era área proibida devido à demasiada falta de respeito que isso indicava. Ela o olhou assustada, enquanto punha a mão sobre a área esbofeteada. Fez menção de reagir, mas estancou. Continuou em seu passo lento para fora de casa e, ao sair, sentou-se na escada da entrada e começou a chorar. Os gritos cessaram de todo. Depois de esperar vários minutos, ela tornou a entrar em casa, encaminhou-se para o quarto e lá viu o marido dormindo. Foi até sua escrivaninha, tirou a arma e o matou com cinco tiros: três tiros no peito e dois na cabeça. Deitou-se na cama e adormeceu ao lado dele: Paz, enfim!

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