sábado, 19 de junho de 2010

O nascimento dos sete pecados (Parte III - Inveja, Ira e Preguiça)


(Wellington Virgolino - Inveja)
"A gente se deu tão bem
Que o tempo sentiu inveja
Ele ficou zangado e decidiu
Que era melhor ser mais veloz
E passar rápido pra mim"
(Móveis Coloniais - O Tempo)

A Inveja nasceu cega. Nasceu cega e assim ficou por apenas um segundo, talvez menos. E logo em seguida abriu seus olhos. Todos eles. Os milhões de olhos que lhe cobriam o corpo. E, com esses milhões de olhos, ela conseguiu enxergar a todos, menos a si própria. Viu o brilho amarelo da luz em tudo, que a luz brilhava em todos, menos em si. Viu os defeitos de todos e não vendo os seus próprios achou que não os tinha e os desejou para si. Viu cada uma das qualidades de cada um e se supondo deficitária de todos esses, desejou-os todos também. Mas desejar só não era o suficiente. Deveria ter tudo, mas com a condição sine qua non de que esse tudo fosse somente dela, de mais ninguém. Mas não apenas tudo fosse dela, deveria esse tudo também ter sido antes de alguém. Tomaria-o e ele teria mais valor porque seria tomado. Tomado pelas suas garras sedentas do alheio. TOMARIA TUDO. Poder, dinheiro, saúde, fama, beleza, paz, amigos, parentes, amores, fé, vida. E o que não pudesse ser roubado seria destruído. Se possível, antes tudo seria seu. Mas tudo o que não poderia ser seu, não seria de mais ninguém. E gerou a Ira.


(Wellington Virgolino - Ira)
"Vinha nego humilhado, vinha morto-vivo, vinha flagelado
De tudo que é lado vinha um bom motivo pra te esfolar
Quanto mais tu corria mais tu ficava, mais atolava
Mais te sujava, amor, tu fedia, empesteava o ar
Tu que foi tão valente chorou pra gente, pediu piedade
E, olha que maldade, me deu vontade de gargalhar
Ao pé da ribanceira acabou-se a liça e escarrei-te inteira
A tua carniça e tinha justiça nesse escarrar
Te rasgamo a carcaça, descendo a ripa, viramo as tripas
Comendo os ovos, ai, e aquele povo pôs-se a cantar"
(Chico Buarque - Não sonho mais)

A Ira veio à existência com cem braços. Veio com cinquenta pernas. Veio com vinte línguas. E veio sem tolerância. Sem nenhuma paciência. Tudo lhe era irritável. Tudo insuportável. Tudo devia ser DESTRUÍDO. E todas as coisas eram tão sensíveis ao seu poder de obliteração que também isso a irritava e lhe fazia anelar mais a completa aniquilação de todas essas coisas. Tudo isso ela percebia só pelo seu toque porque ela também veio cega e surda. Imersa no seu interminável negrume, sem enxergar nem ouvir, não conseguia perceber quando algo acabava e ela continuava sua dizimação no que vinha subsequentemente, sem nem mesmo perceber que já estava lidando com coisas distintas. Seu toque incendiava, partia, quebrava, rasgava, esquartejava, apodrecia, difamava, afundava, apagava, ruía e matava. A destruição era continuada, sem intervalos. Uma coisa, após a outra, e outra, e outra. E ainda não fatigava, mas pariu a Preguiça.


(Wellington Virgolino - Preguiça)
"Com meus pés, não vou
Venha me buscar
Mas só vou de colo
Pra não me cansar
O meu passo faz caminho
Mas se alguém não se agradou
Pra mudar vai dar trabalho
Com meus pés, não vou"
(Beth Carvalho - Salve a preguiça de meu pai)

A Preguiça não veio. Ficou deitada. Sempre deitada. Quando muito sentada. Recostada no encosto da cadeira, e já era esforço demais ficar assim. Mas em pé, jamais. Era enorme e não tinha energia nenhuma. Nunca se deslocava e preferiria morrer a ter que fazer algo. Toda aquela dificuldade para se por em movimento. Viva a lei da Inércia! Só no caso do corpo parado, que fique bem claro. Nada de continuar em movimento. Já lhe era grande custo mesmo pedir para alguém lhe trazer algo. Diferente de todos os demais, ela não queria algo. Já estava satisfeita. Plenamente satisfeita. Era só não se mexer mais, NUNCA mais. Mas não sorria feliz porque isso também era desgastante. Talvez se não fosse ela nessa linhagem, a sequência tivesse continuado, mas com a Preguiça, os pecados acabaram em sete mesmo. Ela também preferiria morrer a ter o esforço de gerar algo.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Desculpe-me a Sinceridade




Falo ainda o que penso, não tanto o que sinto (embora sinta o que pense e pense no que sinta). Sei que a minha sinceridade às vezes dói, corta, machuca. Afinal, nós não lidamos bem com a 'verdade' esfregada na nossa cara, não é? Não admitimos que alguém saiba mais de nós do que nós mesmos. E quem sou eu para sair por aí dizendo o que você é ou não é? Mas não me interprete mal, baby. Não julgo fazer comentários desnecessários. Falo para o seu bem. Porque eu te quero bem. E mesmo que você fique mal (e que eu também fique mal quando assim reajas), não falo em vão. Quero ver você melhor. Quero ver você mais forte, garoto. E não creio que o que eu te falo esteja assim, de todo, cor-re-to. Não está. Eu só quero te mostrar o outro lado, entende? Eu quero te provar que existe muito mais do que o que você já viveu. Você é novo ainda. Novo de idade, novo de experiências, novo de vida. Ainda vai viver muito, ah se vai... E vai passar por muita coisa. Mas você não precisa sofrer tudo que eu sofri para aprender, não é? Estou te dando o caminho mais fácil menino: aprenda com alguém que já viveu. Assim como eu aprendo com você, a cada dia. E não é isso que nos torna tão próximos? As nossas diferenças? Quem sabe um dia então, um aprendendo com os erros do outro, poderemos nos tornar pessoas... nem melhores, nem piores, só pessoas... mais... completas?
Mas, em todo caso, desculpe-me a sinceridade.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Boletim n° 001

“E o Príncipe, respondeu: Senhor, imploro teu perdão, mas não era capaz de me comunicar contigo. Fomos todos apanhados por uma tempestade (chamada por ti de “disciplina”) durante nossas excursões pelo mundo, quando estávamos todos próximos. Soube de imediato que eram teus servos observadores, embora o Senhor não os tenha me apresentado. Vi alguém cuja expressão parecia carregar a experiência de mil vidas e a vivência de mil anos. Sua sabedoria parecia guiá-lo no meio do tempo torrencial como se fosse mero chuvisco e ele foi o primeiro a sair do temporal e te encaminhar uma missiva. Vi ainda uma mulher que caminhava sobre as águas e de seus olhos jorravam fontes de dor, tristezas, memórias e alegria. Ela parecia habituada às águas, não importando quanto agressivas elas fossem. Domou a área de intempérie que a envolvia e foi a segunda a escapar dessa e a lhe mandar a escrita solicitada. Finalmente, observei uma outra mulher vestida com uma armadura que brilhava como a luz do dia. Ela tinha o rosto que lembrava uma criança, mas seus gestos eram decididos e percebi que a teimosia era uma espécie de talento seu. Andava ereta na direção contra o vento e este não parecia conseguir fustigá-la. Sua força de vontade era maior que a violência do tempo e ela parece ter saído do mau tempo, mas não sei se se perdeu no caminho, porque ela se distrai facilmente e esquece o que estava fazendo. Mas tenho certeza de que com sua constituição, ela está bem. E quanto a mim, Senhor, como bem sabes sou fraco e não possuo grandes dons. Só posso observar. Encontrei abrigo e esperei a tempestade passar. Passei meu tempo escrevendo. Lembrando o que havia visto, ouvido e sentido. Esse é o meu dever. Esse é o meu talento. Reviver o que já foi vivido, sentido e destrinchar cada fragmento de emoção sentida e a razão de todas as coisas. O que sei fazer é pensar. Tenho medo de me lançar em novas experiências amedrontadoras, não guardo muito bem o passado e também não resisto muito bem às coisas. Mas posso pensar... Os relatórios serão normalizados a partir de agora!”.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Carta aberta

Aos meus amados observadores.

Há algum tempo não recebo meus relatórios semanais. Como sei de tudo, percebo que um, ou mais, dos sete pecados pode(m) estar atrapalhando vocês.

Me disseram que vocês estiveram imersos em uma disciplina tal como um inseto hematófago, mas também fiquei sabendo que já se livraram da "maledita" tem aproximadamente 1 mês.

Então meus caros observadores, onde estão os relatórios?

Se por acaso dentro de suas cacholas ainda permanecem, prestem o serviço a que se comprometeram e os coloquem para fora.

Não há o que temer. Temos bons momentos pela frente - Copa do Mundo; PIB em alta; Eleições; Etc - Nestes momentos tudo costuma ser feliz, animador e/ou promissor.

Portanto, principalmente quando felizes estiverdes, não se esqueçam do compromisso assumido, pois mais livres estarão para esmiuçar os acontecimentos de vosso planeta.

Com o carinho e amor do Pai!