terça-feira, 16 de março de 2010

Quem será?


(Pescadores no mar - William Turner) 

(Homenagem a partir de emoções vividas a Caio F. Abreu em “Réquiem por um fugitivo”)

Se eu me esforçar na lembrança, consigo vê-la sentada no canto da sala, me olhando. Mas nunca a percebera enquanto estava lá. Enquanto ela morava lá. Só consigo entender que era ali que ela habitava quando me esforço para lembrar, tal era a sua quietude. E estava sempre ali, encolhida naquele mesmo canto da sala. Sempre me olhando. Com uma vergonha inexplicável e uma pureza inquestionável. Me observava com seu olhos castanhos. Tinha a pele e as vestes bem claras, os cabelos escuros e não aparentava ter mais que dez anos de idade. E assim ela ficou por um bom tempo.
Se continuar me esforçando, lembro que ela sempre esteve lá. Desde que minha primeira lembrança se formou, ela nunca mudara, nunca envelhecera. Eu não sabia (tal era a minha ignorância!), mas a verdade é que, embora não fosse uma presença chamativa, de alguma forma ela me protegia de muitas situações ruins, desviando minha atenção daquilo que poderia me machucar, ainda que eu não desse por sua figura.
A vida continuou assim: eu observado e protegido e ela sem envelhecer e sem ser percebida, até que chegou o dia. O dia em que eu percebi que ela estava ali. Tinha sofrido tantas dores e tantas desilusões que foi como se já não pudesse mais ser protegido e os meus olhos finalmente recaíram sobre a menina, só agora mulher. Ela já não estava mais encolhida no canto da sala, tinha acabado de se levantar. Ao percebê-la, olhei-a atônito, confuso por entender sua presença constante naquele espaço, mas nunca antes constatada. Ela me fixou os seus profundos olhos castanhos, agora tão tristes e me olhou como quem entende que está sendo expulso de casa e entende o porquê, mas sem demonstrar sinal algum de queixa. Olhou-me como quem sabe que não há mais o que fazer, por isso mesmo nem vale a pena desperdiçar energias discutindo pseudossoluções infrutíferas. Apenas me olhou como quem diz: “Tchau” ( e foi como se dissesse: “tchau para sempre”) e saiu. Nunca mais voltou e nunca mais fui o mesmo.
Agora espero. Apenas espero:
Espero que um dia, se ela quiser e puder voltar para casa, que seu caminho esteja aberto e seja fácil.
Espero que ela se sinta bem vinda e que a entrada da casa esteja iluminada e a porta já destrancada.
Espero ansiosamente seu retorno para que tudo volte a ser como era antes.
Espero encolhido no mesmo canto que ela ocupava.
Espero com o coração aos tropeços.
Espero a sua volta.

...

(Espero que ela volte e habite o meu coração, de onde não deveria ter saído nunca, pois foi só após sua partida que percebi a frieza do mundo e entendi a crueldade das pessoas.)

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