segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Não precisa dizer mais nada



(Mulher chorando - Pablo Picasso)

Ele se chegou para ela para conversar, mas não era o que ela queria. Ela estava meio farta daquelas sensações de sempre, que sempre apareciam com a aproximação dele. Cansada das emoções que sempre afloravam na presença dele. Aquela taquicardia. Aquele sentimento de estar fazendo tudo errado. Não saber o que fazer com as mãos, que pareciam tão grandes e tão leves que não sabia onde encaixar, onde pôr e que resistiam em apenas ficar abaixadas, soltas, descansando. Não saber o que fazer com a boca, com a língua, que parecia travar ou enrolar mesmo com as palavras simples e corriqueiras (mas, graças a Deus, nunca tinham lhe feito passar vergonha até agora). Não saber o que fazer com o calor que lhe subia. Não saber o que fazer para não ser traída pelo rubor da face (que nem sabia se ficava realmente ruborizada) ou pelos olhos e como olhava para ele. Não saber o que fazer com a inundação de pensamento lentos e vazios, mas tão grandes que lhe enchiam a cabeça e lhe dificultavam o juízo de valor e o raciocínio matemático, mesmo o mais básico. Estava cansada de tudo isso, mas mesmo cansada voltava a sentir tudo isso quando ele chegava perto.

- Vamos conversar?
- Desculpa, mas estou com pressa.
- Vai à algum lugar?
- Não sei. Queria ir pra longe.
- Oi?
- Nada.

Não dava para se afastar. Não dava para ser rude com ele. Pelo menos não propositalmente. Mas era curioso como gostava tanto dele e às vezes sentia prazer em pisá-lo, sempre sem premeditação. Às vezes fazia questão de desmenti-lo ou de mostrar seus erros na frente dos outros, mas nunca planejando isso antes. Não sabia se essa reação era para chamar a atenção dele ou se era uma espécie de vingança que a fazia se sentir melhor já que ele não a tinha escolhido.

- Sobre o quê?
- Sobre o que o quê?
- Sobre o quê quer conversar?
- Ah...

Seja qual fosse o escopo de conversa, realmente não tinha o menor interesse. Ia lhe dizer “Eu te amo”? Aí sim, iam ter motivo para conversar. Mas sabia que não era isso, então era melhor ele ir logo embora.

- Você parece estar chateada comigo.
- Né nada não, nem se estressa com isso. O problema é comigo.

Na verdade, ela pensava “O problema é com você, sim, mas é comigo... Sei lá”.

- Você saiu meio corrida ontem.
- Foi. Você percebeu?
- ... É verdade que você gosta de mim?

Tum-tum-tum-tum-tum.

- Bem, sim.
- Ah, desculpa, mas...
- Não precisa se desculpar. Não se desculpe por ter namorada e se for porque você acha que me feriu porque estava falando dela e tudo mais, esquece.
- Mas eu não queria...
- Olha só, eu ouvi você falando o quanto gostava dela e que tudo que você podia fazer, que estava ao seu alcance, você fazia para vê-la feliz. Você está certo. E acho que não preciso de desculpas. E não precisa dizer mais nada.
- Hum...

Depois desse “Hum...” dele, ela foi embora. Primeiro devagarzinho e depois cada vez mais rápido. Correndo para longe dele. Lágrimas lhe escorriam dos olhos embaçando a visão, mas era o coração que se derramava. Se derramava em dor, vergonha e raiva. Apenas um “Hum...” depois de tudo aquilo? Ele que sabia de suas dores agora deveria ter lhe dito algo. Deveria ter lhe abraçado. Deveria ter lhe dito que abandonaria a outra para ficar com ela. Que agora que sabia de sua condição, a outra já não mais lhe importava. Sabia que tinha dito que não precisava dizer mais nada, mas ele deveria saber que não era o que ela queria dizer. Mas ele não fez nada do que deveria fazer, não disse nada do que deveria dizer. E por isso mesmo, já não havia mais nada a ser dito.

"Meu coração tá batendo como quem diz não tem jeito. Zabumba-bumba esquisito, batendo dentro do peito.
Teu coração tá batendo como quem diz não tem jeito.
O coração dos aflitos pipoca dentro do peito.
Coração bobo, coração bola, coração balão, coração São João...
A gente se ilude dizendo: já não há mais coração."
(Coração bobo – Alceu Valença)

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