sábado, 2 de janeiro de 2010

Estrada dos Pensamentos - Rua da Rotina (via Lembranças do Passado)

Meio-dia. Sol a pino. Ela sobe no ônibus, paga a passagem e senta-se em uma cadeira próxima a uma das janelas fechadas. Abre a bolsa, pega o celular, coloca os fones de ouvido, sintoniza a rádio que mais gosta. Olha as pessoas na rua. Quem são? Pra onde vão? Os questionamentos são tão rápidos quanto os passantes nas calçadas da cidade que ela insiste em achar bonita.

Dali a pouco resolveu abrir a janela do ônibus. E foi como se abrisse um portal, mas não para o externo. E se os dois se encontrassem? Se reconhecessem? E se ele gostasse dela? E se namorassem? E se desse certo? Começava a se imaginar daqui a cinco anos: casada, quem sabe esperando seu primeiro filho, sua mãe feliz em saber que seria avó de um menino, a casa montada, o quarto do bebê... Putz! Uma freada brusca do ônibus a traz assustada para a realidade. Como tinha ido longe dessa vez!

Decide então prestar atenção na música que toca... “Protegi seu nome por amor...” Bate com a mão direita na testa: péssima idéia! Essa música não! Faz ela lembrar do outro, paixão antiga perdida no tempo. Por onde ele anda? Por que não dá notícias? Ainda trabalha? Ainda vive? E antes que a cicatriz da saudade insistisse em doer um pouco mais, mudou de estação.

'Vou voltar a pensar na vida, é melhor!'. Recordou-se da amiga que um dia a advertiu agoniada: quem pensa na vida não casa, mulher! Riu sozinha. E por ela onde andava? Foram tantos amigos que perderam por esse país. Quando se formaram cada um foi para um canto... Será que ela ainda está com o primo-namorado? Formavam um casal bonito, eles...

- Com licença? - interrompeu o estranho que sentara ao seu lado e ela nem havia percebido.
- Pois não.
- Você sabe qual é a parado do shopping?

Uma olhadela pela janela.

- É a próxima.
- Ah, obrigado.

O estranho afastou-se. Mas que diferença faria casar a essa altura? Estava convencida de que acabaria a vida sozinha, afinal, quem iria gostar... Parou. Olhou seu reflexo no vidro fumê da janela. Ajeitou os cabelos assanhados pelo vento. Não era feia. Não era bonita. Não tinha sal. Nem açúcar. Nem afeto. Sentiu aquela dorzinha no peito que costumava chamar de “dor-da-solidão” mas não teve nem tempo de recuperar-se: a paisagem pela janela foi se tornando cada vez mais familiar. Levantou-se, pediu parada, desceu do ônibus, atravessou a rua e seguiu o seu caminho.

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